O diagnóstico de câncer pode ser considerado como desencadeador de uma crise, sendo o tratamento um período de diversas mudanças para toda a família. Quando uma mãe cujo filho ainda é dependente de cuidados adoece, o diagnóstico e tratamento do câncer surgem como uma interrupção na vida cotidiana, afetando o desempenho do papel materno da maneira como era realizado.
As mães se preocupam e tentam proteger os filhos, muitas vezes em detrimento da sua própria capacidade física e emocional, buscando manter a vida cotidiana o mais normal possível. Para isso, podem omitir das crianças informações sobre a doença e o tratamento.
Embora seja difícil saber como se comunicar com uma criança sobre esse momento (veja nossos artigos “falando com a criança sobre o câncer”), envolver todos os membros da família no tratamento contribui para a adaptação à situação de crise. Muitas mães, pelos sentimentos vividos com a situação, podem não se sentir preparadas para conversar com os filhos. É importante examinar esses sentimentos e pedir ajuda dos familiares.
A ajuda dos familiares também deve estar presente nas questões da rotina. Ela pode ser o mais normal possível, mas o normal agora necessita incluir as mudanças decorrentes do adoecimento, respeitando os limites físicos e emocionais da mãe em tratamento.
Muitas mães consideram a realização das tarefas do cotidiano sua responsabilidade, depositando altas cobranças em si mesmas. Também podem sentir-se culpadas por não serem “boas mães” por estarem doentes.
Uma reflexão importante é sobre os aspectos socioculturais envolvidos na maternidade. Historicamente ocorreu a idealização do papel materno, que ainda permanece como importante elemento da identidade feminina. Embora mudanças no papel da mulher na sociedade tenham ocorrido e se perceba a busca de um novo modelo de cuidado dos filhos, com maior participação do homem, desigualdades permanecem.
A idealização da maternidade, imposta pela sociedade, mas também mantida pelas próprias mulheres, é conflitante com as exigências da realidade, especialmente no contexto de adoecimento.
É importante que as mães em tratamento possam redefinir a maternidade, dando espaço para que possam surgir novas perspectivas e valores, como a maior proximidade dos filhos e valorização do tempo passado junto com eles.
Fontes do artigo e mais informações:
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