Conspiração do silêncio: dilema comum em oncologia. “Saber, logo desistir?”

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Em nossa atuação profissional em oncologia com frequência nos deparamos com grande sofrimento familiar no processo de comunicação do diagnóstico oncológico para o paciente ou de um prognóstico desfavorável, principalmente quando se trata de um paciente idoso ou uma criança.

“se ele souber que é essa doença, ele desiste”

“ela não vai querer lutar”

“ela pode deprimir e se entregar para a doença”

“podemos dizer que é uma massa, um nódulo, que ele vai tomar umas vitaminas”

Gostaríamos de ampliar esta cena e fazer um convite para uma reflexão. O que permeia estas falas?

1.Uma família em grande sofrimento, com medo do desconhecido e buscando proteger o seu familiar? 

Proteger do que exatamente?

2. De uma notícia ruim, de uma doença que é estigmatizada por ser prontamente associada à morte, dor, queda de cabelo e perdas de funcionalidade?

E talvez outras particularidades que permeiam a vivência singular de que cada família, como conflitos, estrutura familiar, histórico psiquiátrico ou outros. Generalizando esta experiência, vamos discutir alguns pontos importantes.

A conspiração do silêncio, atualmente também chamada de “pacto do silêncio”, consiste em um “acordo” de silêncio que envolve diferentes personagens: paciente, família e equipe de saúde.

Neste contexto o que pode ser observado é que o paciente, que apresentava algum sintoma ou até mesmo com ausência de sintomas, passa a ser hospitalizado e submetido a diversos exames. Inicia então um tratamento que com frequência traz efeitos colaterais (fadiga, náuseas, cuidados especiais devido à queda de imunidade, perda de peso ou outros), nota que seus familiares apresentam mudança de comportamento (distanciamento, aproximação, mudança nos cuidados apresentados, oscilação frequente de humo ou outros) e a equipe de saúde se restringe a poucas informações, conversa em separado com a família e realiza cuidados especiais com ele (agenda consultas frequentes, solicita exames, instala medicações ou outros).

Observamos em nossa prática que no pacto do silêncio o paciente ocupa a posição em que “finge que acredita no que é dito”, a família e a equipe “finge que acredita que o paciente não sabe”, uma vez que a comunicação de uma notícia difícil não ocorre somente ao nível verbal, mas também pela mudança de comportamento, pelas expressões, pelos sentidos… com frequência o paciente também nota o sofrimento familiar e também deseja proteger sua família desta comunicação difícil.

A partir disso, torna-se importante discutir as consequências do pacto do silêncio e os benefícios em compartilhar a notícia.

  1. Partimos do entendimento de que o paciente percebe o que lhe é ocultado, percebe as expressões, os cuidados, a alteração de rotina e as alterações em seu próprio corpo. Quando optamos pelo silêncio, o paciente terá que lidar com este contexto apenas com as suas fantasias, não poderá tirar dúvidas sobre o tratamento, compartilhar medos e preocupações.
  2. A família que opta pelo silêncio, experimenta sentimentos ambivalentes. Por um lado acredita que o silêncio protege, por outro vivencia sentimento de culpa. “Minha mãe sempre foi uma mulher ativa e dona da própria vida, não sei se é o melhor esconder o diagnóstico dela”
  3. O silêncio, muitas vezes, pode impedir o paciente de planejar e comunicar desejos e coisas que gostaria de realizar. Principalmente quando falamos de uma doença que possui um prognóstico desfavorável, o paciente pode ter desejos que não comunicou a ninguém e que gostaria de realizar ao saber deste prognóstico.
  4. Observamos que quando os pacientes recebem uma notícia difícil, eles reagem com tristeza, medo e preocupações inicialmente, porém, abre-se espaço para o diálogo, o suporte familiar e profissional, o que favorece o enfrentamento do paciente. O silêncio por sua vez, tende a ser um fator complicador do enfrentamento do paciente.
  5. O silêncio pode acarretar um afastamento entre o paciente e os familiares. Evitam-se visitas, visto que torna-se difícil sustentar o segredo. O silêncio afeta o vínculo de confiança entre o paciente, familiares e equipe de saúde, o que pode prejudicar o suporte tão importante neste contexto.
  6. Os familiares ficam mais propensos a complicações em seu processo de luto, visto a ambivalência de sentimentos, a ausência de diálogos, planejamentos e demonstração de afetos entre o paciente e a família.

Para finalizar, gostaríamos de salientar o desafio que envolve a comunicação de uma má notícia: cada caso deve ser tratado de forma singular e a equipe de saúde de sua referência deve ser acionada para ajudar neste contexto. O psicólogo auxilia no processo de suporte emocional tanto para a família, como para o paciente.

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