“Morfina vicia?”, “Morfina mata?”, “Quanto tempo de vida tenho após o início do uso de morfina?” essas são perguntas recorrentes do cotidiano de um psico-oncologista.
Diante de uma situação em que a equipe médica indica o uso da morfina, inúmeros paciente e familiares apresentam dúvidas importantíssimas que, se não sanadas, podem trazer prejuízo para o bem-estar físico e emocional dos envolvidos. Infelizmente, não é raro um paciente que nega utilizar morfina por considerar que a droga seria indicada apenas para casos de terminalidade da doença; também é comum as famílias acreditarem que o uso de morfina, em casos de adoecimento grave, pode encurtar o tempo de vida do paciente.
Se morfina é medicamento, o que pode um psicólogo falar sobre a morfina?
A incompreensão acerca do uso da morfina repercute diretamente na prática do psicólogo hospitalar e esse tipo de problema está relacionado à dimensão da comunicação humana. Costumamos supor que as pessoas saibam daquilo que para nós é habitual, por exemplo quando uma equipe médica prescreve morfina – após avaliação devida do paciente– pode correr o risco de supor que o paciente e sua família compreendem a indicação, afinal, essa prática é comum à equipe e a suposição que seja comum aos demais pode limitar explicações mais específicas. Em contrapartida, o paciente e a família podem se eximir de esclarecer suas dúvidas com a equipe, ou ainda, as mesmas podem surgir posteriormente, após a assimilação da informação, dando margem às fantasias ou crenças errôneas sobre a situação.
A morfina faz parte de um grupo de medicamentos chamados de opioides que têm sido utilizados para controle de sintomas ao longo da história da humanidade. A morfina pode ser utilizada por um período curto, por exemplo para pacientes em pós-operatório, com fraturas ou ferimentos graves, bem como para pacientes com doenças crônicas como o câncer.
Popularmente, associou-se o uso de morfina às pessoas gravemente enfermas, criando o estigma de que quem usa morfina está vivenciando uma doença terminal ou pode viciar no medicamento. Isso pode ser explicado historicamente pelo uso indevido ou não gerenciado da medicação após a Segunda Guerra Mundial.
Infelizmente, o uso da morfina também é confundido, muitas vezes, com a sedação paliativa, que é uma medida para garantir o conforto do paciente diante de sintomas refratários, ou seja, que já foram expostos a inúmeras tentativas de tratamento e não tiveram remissão ou alívio adequado. Para estes casos, além da sedação paliativa, que consiste em diminuição do nível de consciência para que o paciente não tenha percepção do sofrimento, costuma-se utilizar a morfina, para garantir o controle dos sintomas como dor e dispneia. Sendo assim, confunde-se o uso da morfina com a sedação paliativa.
Também há incompreensão acerca do conceito de sedação paliativa, que muitas vezes é vista como abreviação do tempo de vida. A sedação paliativa, no entanto, tem como único objetivo o controle dos sintomas que não puderam ser aliviados por outros métodos terapêuticos. Ela não interfere na sobrevida do paciente, bem como a morfina. Ambas são medidas para controle dos sintomas, ou seja, diminuição do sofrimento humano, cada uma atuando de maneira particular, avaliada e indicada pelo profissional médico.
Esperamos que o presente artigo possa lhe sensibilizar para uma discussão com o profissional médico, o qual tem expertise para esclarecer dúvidas sobre o assunto. Nosso objetivo foi realizar a psico-educação acerca desse tema. Caso você tenha dúvidas e/ou esteja vivenciando uma situação semelhante às abordadas nesse artigo, indicamos fortemente que procure um médico de confiança e converse abertamente para esclarecimentos que vão além desse material.