Artigo escrito pela colaboradora psicóloga Flávia Andrade
O suicídio é considerado uma questão de saúde pública e isto, por si, justifica que este tema venha sendo cada vez mais chamado ao debate, no âmbito social e no âmbito da saúde. O mês de setembro é representativo nesse sentido, já que desde 2015 tem sido o mês que representa oficialmente o alerta amarelo, o alerta da prevenção ao suicídio. Atualmente o dia 10 de setembro é o dia internacional de prevenção ao suicídio.
Pensar o tema do suicídio não é tarefa das mais simples. É um tema permeado por estigmas originados de questões morais e religiosas, contudo, não debater este tema de forma direta e objetiva, impossibilitaria a prevenção e as ações de cuidado, totalmente necessárias e cada vez mais urgentes. É preciso, portanto, refletir sobre o suicídio de modo direto e com o envolvimento de profissionais de diversas áreas, considerando o caráter multifatorial deste fenômeno tão complexo.
No contexto oncológico, somada a todas as consequências psíquicas, físicas e sociais do adoecimento, a questão do risco de suicídio pode ser uma preocupação a mais, tanto dos familiares de quem está em tratamento, quanto da equipe de saúde.
O impacto do diagnóstico, o tratamento oncológico e as consequências do adoecimento podem fazer surgir no paciente angústias emocionais avassaladoras. Muitas vezes, no momento imediato da notícia do câncer surge o fantasma da morte, o medo de morrer e, consequentemente, a necessidade da ressignificação da vida, do sentido individual do existir. Os sentimentos do adoecimento, das consequências deste e do tratamento podem ser devastadores para algumas pessoas. Em alguns casos o tratamento não tem o resultado esperado, em outros há a rotina do sofrimento, da dor física, da dependência e da perda de funcionalidade, o que pode levar à tristeza profunda, à depressão e mesmo ao sentimento de perda de sentido de vida.
Em situações como estas o paciente em tratamento pode manifestar ideias de morte, pode inclusive, verbalizar o desejo de morrer, o que assusta familiares e equipe de cuidados. Quando isso ocorre é imprescindível a avaliação detalhada do risco (realizada por psicólogo), com vistas a distinguir o que poderia ser uma ideação suicida de uma manifestação de cansaço psíquico, uma angústia decorrente do adoecimento. Nesse sentido, tanto em casos nos quais o paciente verbaliza desejo de morrer por estar cansado do sofrimento de estar adoecido, quanto nos casos em que há de fato a ideação e/ou planejamento suicida, é imprescindível o acolhimento do sofrimento, acompanhamento psicológico e se necessário encaminhamento psiquiátrico.
Ainda que não haja risco iminente de suicídio, é preciso dar destino às angústias do adoecido, no sentido de subsidiar ao máximo as condições para sua qualidade de vida. Não seria justo ou adequado pressupor que o paciente está querendo “chamar a atenção” se este disser frases como: “prefiro morrer”, “não aguento mais” etc. Isto porque mesmo que o paciente esteja querendo “chamar nossa atenção” ele está nos comunicando algo importante: seu sofrimento. E para este sofrimento, seja qual for sua origem, é que devemos nos voltar com ações de acolhimento e cuidado. E, além disso, em todos os casos, tanto nos de risco confirmado de suicídio quanto nas manifestações decorrentes do tratamento oncológico, pode ser mais adequado pecar pelo excesso; de cuidado.
Se precisar de ajuda ligue 188 (CVV – Centro de Valorização da Vida, ligação gratuita em todo o território nacional).
Flávia Andrade é Psicóloga Clínica e Hospitalar, Especialista em Psico-Oncologia e Prevenção do Suicídio. Mestranda em Filosofia com o tema “O suicídio segundo Michel Foucault”. Autora do blog Psicologia e Prevenção do Suicídio